Virgínia Leone Bicudo (1910-2003), paulistana, filha de uma imigrante italiana branca e de um brasileiro negro, nascido no período da lei do “ventre livre” e neta de uma escrava alforriada. Ela foi à primeira mulher a fazer análise na América Latina. Em 1930 Virgínia terminou o secundário na Escola Normal Caetano de Campos e em 1932 entrou no Curso de Educadores Sanitários do Instituto de Higiene de São Paulo.

Esse curso tinha a intenção de promover ações profiláticas relativas à saúde pública e políticas sanitárias, preparando as professoras para intervir junto aos pais e alunos da escola primária para transmitir as regras e os princípios do que se considerava uma educação saudável. Na sequência, ingressou na Escola Livre de Sociologia e Política, hoje conhecida como FESPSP, uma vez que considerava o curso da USP demasiado elitista. No início da década de 1940, Virgínia Bicudo começa a lecionar Higiene Mental e Psicanálise na Escola Livre de Sociologia e Política junto com Durval Marcondes, transformando essa instituição num espaço importante de difusão de “saberes psi” em São Paulo.

Curiosamente, no seu documento de trabalho ela foi identificada como “branca”, o que segundo Marcos Chor revelaria “uma das faces da ideologia do branqueamento no Brasil, em que a aparência de um indivíduo com marcas de origem africana poderia ser atenuada em função do grau de instrução, ocupação, aparência”. Foi a primeira pessoa a escrever uma tese sobre relações raciais no Brasil, em 1942, inaugurando, na academia, o debate sobre racismo. Foi também a primeira psicanalista não-médica no País, se tornando essencial para a construção e institucionalização da psicanálise no Brasil.

Sua condição e posicionamento de pesquisadora negra para a época, foi um ato extremamente corajoso e pioneiro. Até a primeira metade do século XX a produção acadêmica das Ciências Sociais era proveniente praticamente de homens brancos, alguns negros e pobres, porém homens; algumas mulheres, somente brancas. A junção entre essas categorias de classe, gênero e cor na produção acadêmica brasileira das Ciências Sociais até então era uma absoluta exceção. Tantas credenciais desta psicanalista, pesquisadora e socióloga e, no entanto, seu nome, seu protagonismo e sua história se tornaram invisíveis a muitos brasileiros.

(Fonte: Revista Lacuna).