No dia 31 de agosto de 2016, o Senado brasileiro votou pela destituição da presidenta eleita Dilma Rousseff, consolidando o golpe jurídico-parlamentar-midiático que engendrou o maior retrocesso da democracia em nosso país desde a ditadura militar de 1964. No Brasil daquela época, o engodo foi denominado de “revolução”. Em 2016, novamente argumentam não se tratar de um golpe, já que todo o rito democrático teria sido seguido. Verdade é que a farsa do impeachment pôs fim ao pacto resultante da democratização brasileira feito há três décadas e consubstanciado na Constituição de 1988. Como resultado, junto com o governo usurpador vieram o arrocho salarial e o pacote de maldades da PEC 241, que visa limitar no longo prazo os gastos com educação, saúde e infraestrutura, entre outros. Duros tempos, a exigir das esquerdas a reconstrução de seu pensamento e de sua ação. Contribuindo com essa necessária reflexão, Margem Esquerda traz neste número artigos de Milton Pinheiro e Marcos Del Roio sobre os golpes de 1964 e 2016, com suas repercussões.
No entanto, ainda que a conjuntura política nacional seja questão urgente, o foco principal desta edição é outro tema de relevância e, infelizmente, muito atual: o racismo. Nossa entrevistada é a doutora em educação, feminista e diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro, que falou à Margem Esquerda de sua infância, formação, militância, enfrentamento da discriminação racial, iniciação no candomblé e das grandes questões que o feminismo negro tem de enfrentar hoje no Brasil.
O dossiê “Marxismo e questão racial”, organizado por Silvio Luiz de Almeida, traz quatro artigos. “Estado, racismo e materialismo”, deAlessandra Devulsky, mostra como o Estado, o direito e o racismo são componentes estruturais da reprodução do capitalismo. Em “Dilemas da luta contra o racismo no Brasil”, Dennis de Oliveira apresenta o conceito de ação direta do capital, demonstrando como o avanço das políticas neoliberais e o predomínio do capital financeiro estão associados ao extermínio da população negra. Marcio Farias, em “Pensamento social e relações raciais no Brasil: a análise marxista de Clóvis Moura”, relembra o legado do historiador piauiense e suas inovadoras leituras sobre o marxismo, a escravidão e nossa formação social. Por fim, Rosane Borges, em “Feminismos negros e marxismo: quem deve a quem?”, mostra-nos a relação teórica e prática entre feminismo negro e marxismo.
Dando continuidade ao debate, na seção de Clássicos há dois textos fundamentais: “Resolução geral sobre a questão negra”, documento elaborado por Lamine Senghor e Richard B. Moore no Primeiro Congresso Internacional contra a Opressão Colonial e o Imperialismo (1927), e “O Ocidente e o problema dos negros”, do marxista peruano José Carlos Mariátegui – ambos traduzidos por Luiz Bernardo Pericás. Já a homenageada é Grace Lee Boggs, feminista e ativista norte-americana pouco conhecida no Brasil. Boggs chegou aos cem anos em 2015, mas faleceu pouco depois. Trabalhou ao lado de C. L. R. James, de quem a Boitempo publicou Os Jacobinos Negros. Paulo Denisar Fraga nos traz questões bastante relevantes sobre a biografia dessa dissidente histórica que desenvolveu sua militância na industrialmente devastada cidade de Detroit, nos Estados Unidos.
É de Muhammad Ali (1942-2016) o poema da vez, traduzido e apresentado pelo editor da seção, Flávio Wolf de Aguiar. Na seção de Artigos temos ainda o primoroso “A casa de Sião”, de Perry Anderson, que faz uma retomada histórica da relação entre Israel e Palestina. Marcello Musto, por sua vez, descreve a nova geografia política da esquerda europeia em “A esquerda radical na Europa após 1989: balanços e perspectivas”. Por fim, lembrando que Nicos Poulantzas teria acabado de completar oitenta anos, Paulo Silveira nos delicia com uma espécie de testamento – mais político do que teórico – desse grego genial.
Duas notas de leituras encerram este número – ilustrado com as esculturas de Flávio Cerqueira. A primeira, de autoria de Angélica Lovatto, discorre sobre Caio Prado Júnior: uma biografia política, de Luiz Bernardo Pericás. Na segunda, Haroldo Sereza escreve sobre O hip hop e as diásporas africanas na modernidade, organizado por Mônica do Amaral e Lourdes Carril.